quinta-feira, 4 de março de 2010

SABORES DO MAR E DO MUNDO EM PARATY.

Pegue um balaio cheio de pescados frescos, com robalos, camarões e lulas, especialmente esses, abundantes. Acrescente um punhado de farinha de mandioca, daquelas bem brancas e fininhas. Banana não pode faltar - e ela pode ser verde ou madura, em rodelas ou inteira, na casca. O incrível palmito in natura da Mata Atlântica, cada vez mais cultivado na região, também entra nesta composição. Numa panela, de barro ou de ferro, por favor, misture todos os ingredientes e flambe com pinga da boa. Esta é a receita da gastronomia caiçara, categoria de destaque entre os restaurantes de Paraty, com cozinhas de tantas etnias. Emblema da cultura local, é uma combinação harmoniosa entre a matéria-prima da região com tradições culinárias indígenas, africanas e europeias. Essa riqueza de sabores atlânticos é o tema do festival Delícias do Mar, que chega à segunda edição reunindo 16 restaurantes da cidade - eles criaram pratos com peixes e frutos do mar - e fica em cartaz durante todo o mês de março, terminando somente no domingo de Páscoa, dia 4 de abril. (Aula de culinária Caiçara em Paraty).
Durante o período colonial, Paraty cresceu e ficou famosa por ser o porto de onde partiam os navios levando as riquezas de Minas Gerais para a Europa. Os tropeiros desciam a serra carregados de ouro e diamantes. E subiam levando farinha, cachaça e peixe seco. Assim também se formou a tradição gastronômica local e, até hoje, a cidade é referência na produção de derivados de cana e de mandioca. O peixe seco é uma tradição que foi se perdendo com o tempo, depois do desenvolvimento de geladeiras. Mas há gente interessada em recuperar este método de conservação de pescados para apresentar aos turistas.
- Todos os anos, por duas ou três vezes, as peixarias da cidade recebem tainhas secas preparadas na comunidade da Praia do Sono, que pesca uma grande quantidade. Quero começar a usar o ingrediente em receitas - diz Paulo César da Silva, o chef Caju, de 38 anos, nascido em Paraty.
Ele comanda a cozinha do restaurante Casa do Fogo, que, se não pode ser chamado de caiçara, tem um forte acento local: quase todos os pratos são flambados com a Coqueiro, uma das melhores pingas de Paraty, num espetáculo pirotécnico à vista dos clientes. A receita que representa a casa no festival gastronômico leva frutos do mar como polvo, camarão, lula e marisco, com palmito fresco e ervas, tudo flambado na cachaça. O restaurante serve um menu degustação com entrada (robalo marinado com folhas verdes ao vinagrete de laranja) e uma sobremesa (flambada, claro) por R$ 60.
As labaredas de aguardente saindo das frigideiras também esquentam outras cozinhas participantes do Delícias do Mar, que está em sua segunda edição. No Voilá Bistrot, na estrada para Cunha (SP), a receita é feita de camarões grelhados flambados na pinga com risoto trufado (R$ 62), enquanto no Bistrô Brasil o prato criado para o festival combina robalo, palmito, cenoura, lichia e maracujá (R$ 50) - tudo finalizado no calor do fogo da cachaça.
No bar Santa Trindade, inaugurado no meio do ano passado, camarões são preparados na chapa com cachaça e mel (por que não melado?). A fórmula criada para o festival custa R$ 42 e começa com casquinha de siri em crocante de parmesão, terminando com creme brulée de manga. O Refúgio, um dos restaurantes mais tradicionais de Paraty, quase no cais, participa do festival com a posta de robalo al mare, servida com camarões, polvo, lula, mariscos e batatas ao murro (R$ 64,80, em porção que pode ser dividida), com destaque para o peixe, que ganha uma pele crocante depois de frito.
Principal referência em gastronomia caiçara, o restaurante Banana da Terra dá um tratamento moderno à tradição. A chef Ana Bueno é uma das mais ativas na preservação das tradições gastronômicas locais. Ela organiza, em novembro, a Folia Gastronômica, um festival dedicado aos sabores caiçaras que recebe cozinheiros de todo o Brasil. Em 2009, o evento não aconteceu pela primeira vez, por falta de patrocínio. Para este ano, tudo indica que ele será realizado. Seguindo a filosofia de valorizar os ingredientes nativos em reinterpretações, Ana criou para o Delícias do Mar uma moqueca de palmito com banana e pimenta de bico (R$ 56).
Tanto o Refúgio quanto o Banana da Terra servem o camarão casadinho, prato típico mais famoso de Paraty. Mas o melhor lugar para provar a receita é no Quiosque do Lapinha, no canto esquerdo da Praia do Pontal, a mais próxima do Centro Histórico. Ali, Antonio Lapa prepara uma farofa de camarões miúdos, com pimenta, cebola e cheiro verde. A seguir, corta pela barriga dois daqueles camarões enormes e os recheia com a farofa, juntando os crustáceos, que são presos por palitos e depois fritos. A mesma farofa molhadinha recheia ótimas lulas. Para provar uma cozinha caiçara autêntica, simples e saborosa, não há lugar melhor. E a comida vem sempre acompanhada da prosa também saborosa do Lapinha, que, ainda por cima, serve cerveja gelada... E um ótimo peixe frito.
Culinária francesa e Italiana também está em Paraty
O sotaque caiçara não é o único a ser escutado nas cozinhas de Paraty. A culinária da França e a da Itália, principalmente a da segunda, estão muito bem representadas na cidade, que tem ainda restaurante tailandês, parrilla argentina e uma boa seleção de bares, cafés e sorveterias (à moda italiana, como a Miracolo e a Pistache).
Pelo conjunto da obra, resultado da equação entre a ótima cozinha e o ambiente fabuloso, o Le Gite d'Indaiatiba é o restaurante mais imperdível de Paraty. Está um pouco afastado do Centro, mas é aí que reside grande parte do seu sabor. Há quem chegue lá de helicóptero, vindo de Angra dos Reis. O ceviche de peixe fresquíssimo com suco de laranja e frutas vale qualquer esforço. Entre os pratos principais, destaque para os camarões apimentados com arroz de pitanga, o curry de lulas com leite de coco e o peixe com manga e gengibre. Para encerrar o percurso, nos fins de semana é servida uma tarte tartin famosa. Tão bom quanto a refeição é esperar por ela na cachoeira ou na piscina de água natural.
Para uma refeição leve no Centro Histórico, não pode haver lugar melhor que o Le Castellet, uma creperia com paredes de pedra que bem poderia estar em alguma cidade da Provence, com suas mesas floridas e cadeiras coloridas. Além dos ótimos crepes, a casa serve a bouillabaisse, a sopa de pescados típica do sul da França. Como mais da metade dos brasileiros que visitam Paraty vem de São Paulo, as pizzarias e casas italianas, de uma maneira geral, fazem sucesso ali. Repetindo a fórmula de sucesso do Le Gite, o restaurante Villa Verde funciona numa agradável casa, com direito a banho de cachoeira antes do almoço. No cardápio, receitas italianas com massas caseiras, além de carpaccios, risotos e clássicos como ossobuco.
As cachaças não podem faltar na cidade
Numa de suas músicas mais conhecidas, Assis Valente cantou: "Vestiu uma camisa listrada/ E saiu por aí/ Em vez de tomar chá com torrada/ Ele bebeu parati". Havia tantos alambiques na cidade durante o período colonial (eram mais de cem) que Paraty se tornou sinônimo de cachaça consagrado pelos dicionários, entre dezenas de sinônimos da bebida. A fama vem de longe e, se hoje em dia a produção é bem menos significativa, Paraty continua a produzir algumas das melhores pingas do país. São pelo menos seis rótulos elaborados atualmente: Coqueiro, Corisco, Paratiana, Vamos Nessa, Engenho d'Ouro e Maria Izabel. E o Centro Histórico tem, provavelmente, a maior concentração de cachaçarias do mundo: são cinco lojas que vendem, além dos rótulos locais, exemplares de todo o país.
A cidade fabrica a bebida desde 1600, segundo historiadores. Mas somente em 1983 passou a ser realizado o Festival da Pinga, um dos principais eventos do recheado calendário paratiense, que este ano acontece entre os dias 19 e 22 de agosto. Além das versões ouro (envelhecida, às vezes por mais de 20 anos, sempre um pouco mais cara) e prata, há variantes como a gabriela (com cravo e canela), a caramelada (que leva melado) e a azulada (com folhas de tangerina, que dão esta coloração ao líquido), e várias infusões com frutas.
Para entender o processo de produção, fazer pequenas degustações e comprar umas garrafas (ninguém resiste), alguns engenhos recebem visitantes. A Fazenda Murycana, na estrada Paraty-Cunha, tem a maior estrutura. Além da visita aos alambiques, a propriedade tem um pequeno museu, restaurante, loja, trilhas na mata, cachoeiras, cavalos para alugar e esportes de aventura, como tirolesa, rapel e circuito de arvorismo. Um pouco acima, na mesma estrada que leva a Cunha, está o Engenho d'Ouro, uma das menores, mas com visita muito bem conduzida pela família proprietária. A força que movimenta a moenda vem de uma roda d'água - que pode, ainda, se converter em uma ótima cachoeira - e todo o processo de produção é feito por gravidade.

Fonte: oglobo

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